O plenário do Senado aprovou hoje (10) o Projeto de
Lei número 53, da Câmara, que disciplina a proteção dos dados pessoais e define
as situações em que estes podem ser coletados e tratados tanto por empresas
quanto pelo Poder Público. O texto foi aprovado nos termos do conteúdo
votado na Câmara dos Deputados no fim de maio.
Com isso, o Brasil se junta a diversos países do
mundo, que já possuem legislação sobre o tema. O projeto agora vai a sanção do
presidente Michel Temer.
O texto disciplina a forma como as informações são
coletadas e tratadas, especialmente em meios digitais, como dados pessoais de
cadastro ou até mesmo textos e fotos publicadas em redes sociais. A
proposta foi mantida na semana passada pela Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE), conservando o conteúdo da Câmara e indicando regime de
urgência para votação na casa. A urgência foi apresentada em plenário, mas não
chegou a ser apreciada.
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator do
projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, destacou que a regulação do tema já
é uma realidade no resto do mundo. “Mais de 100 países já colocaram de pé leis
e diretrizes de proteção de dados no ambiente da internet. A internet não pode
ser ambiente sem regras. A privacidade é um valor civilizatório”, salientou.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM), nomeado relator
em plenário, defendeu a importância da proposta. “Na era digital dados são
considerados grande ativo e patrimônio. Dados devem receber grau mínimo de
proteção jurídica. Dados trafegam pelas redes e sem consentimento acabam sendo
comercializados, em contraposição aos preceitos constitucionais, que garantem o
direito à vida privada”, comentou.
“Todas as entidades, sem nenhuma exceção, foram
partícipes na construção do projeto de lei e estamos votando algo que é uma
unanimidade”, afirmou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). “Estamos
vivendo a revolução das redes sociais. Agora vamos ter marco
regulatório que permite que cidadão possa acionar aqueles que fizerem mau uso
de seus dados”, acrescentou o senador Jorge Viana (PT-AC).
Entenda o projeto
O PLC 53 considera dados pessoais a
informação relacionada a uma pessoa que seja “identificada” ou “identificável”.
Ou seja, o projeto de lei regula também aquele dado que, sozinho, não revela a
quem estaria relacionado (um endereço, por exemplo) mas que, processado
juntamente com outros, poderia indicar de quem se trata (o endereço combinado
com a idade, por exemplo).
Foi criada uma categoria especial, denominada dados
“sensíveis”, que abrange registros de raça, opiniões políticas, crenças,
condição de saúde e características genéticas. O uso desses registros fica mais
restrito, já que traz riscos de discriminação e outros prejuízos à pessoa.
Também há parâmetros diferenciados para processamento de informações de
crianças, como a exigência de consentimento dos pais e a proibição de
condicionar o fornecimento de registros à participação em aplicações (como
redes sociais e jogos eletrônicos).
O projeto de lei abrange as operações de tratamento
realizadas no Brasil ou a partir de coleta de dados feita no país. A norma
também vale para empresas ou entes que ofertem bens e serviços ou tratem
informações de pessoas que estão aqui. Assim, por exemplo, por mais que o
Facebook recolha registros de brasileiros e faça o tratamento em servidores nos
Estados Unidos, ele teria de respeitar as regras. Também é permitida a
transferência internacional de dados (como no exemplo citado), desde que o país
de destino tenha nível de proteção compatível com a lei ou quando a empresa
responsável pelo tratamento comprovar que garante as mesmas condições exigidas
pela norma por instrumentos como contratos ou normas corporativas.
Ficaram de fora das obrigações o tratamento para
fins pessoais, jornalísticos e artísticos. Também não são cobertos o
processamento de informações em atividades de segurança nacional, segurança
pública e repressão a infrações. O texto indica que esses temas devem ser
tratados em uma lei específica. O Poder Público ganhou também a possibilidade
de tratar dados sem consentimento das pessoas, em determinadas situações, como
na execução de políticas públicas. Para isso, o órgão deve informar em
seu site em que hipótese o processamento de dados é realizado, sua
finalidade e quais são os procedimentos adotados. Essas regras especiais se
aplicam também aos cartórios.
Obrigações e direitos
Para coletar e tratar um dado, uma empresa ou ente
precisa solicitar o consentimento do titular, que deve ser livre e informado.
Essa autorização deve ser solicitada de forma clara, em cláusula específica, e
não de maneira genérica. Caso uma empresa colete um dado para uma coisa e mude
sua finalidade, deve obter novo consentimento. A permissão dada por alguém,
entretanto, pode ser revogada se o titular assim o desejar.
O projeto prevê, contudo, algumas situações em que
este não é necessário, como a proteção da vida, o cumprimento de obrigação
legal e procedimento de saúde. A exceção mais polêmica é chamada de “legítimo
interesse”, que na prática permite a uma empresa coletar um dado para um
propósito e usá-lo para outro, desde que para “finalidades legítimas” e a
“partir de situações concretas”. Nesse caso, somente os dados “estritamente
necessários” podem ser manejados.
Outra obrigação das empresas incluída no relatório
do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é a garantia da segurança dos dados,
impedindo acessos não autorizados e qualquer forma de vazamento. Caso haja
algum incidente de segurança que possa acarretar dano ao titular da informação,
a empresa é obrigada a comunicar à pessoa e ao órgão competente.
A redação prevê uma série de direitos ao titular,
que pode solicitar acesso às informações que uma empresa tem dele - incluindo a
finalidade, a forma e a duração do tratamento - e se houve uso compartilhado
com algum outro ente e com qual finalidade. Também é possível requisitar a correção
de um dado incompleto, a eliminação de registros desnecessários ou excessivos e
a portabilidade para outro provedor de serviço. Ou seja, o usuário de uma conta
de e-mail pode ter todas as suas mensagens, caso deseje
abrir conta em outro serviço deste tipo. O titular também pode solicitar a
revisão de uma decisão automatizada baseada em seus dados, como uma
classificação para obtenção de crédito, por exemplo.
Fiscalização e órgão regulador
O relatório de Silva propõe a criação da Autoridade
Nacional de Proteção de Dados, que ficará responsável pela edição de normas
complementares e pela fiscalização das obrigações previstas na lei. Essa
autoridade terá poder, por exemplo, para exigir relatórios de impacto à
privacidade de uma empresa, documento que deve identificar como o processamento
é realizado, as medidas de segurança e as ações para reduzir riscos. Ou seja,
se o órgão suspeitar que em alguma empresa há risco de problemas no tratamento
dos dados, o relatório reúne informações necessárias para uma primeira
apuração. Pode também fazer uma auditoria, em que se verifique no local da
empresa se o manejo dos dados está sendo realizado corretamente.
Se constatar alguma irregularidade em qualquer
atividade de tratamento, a autoridade pode aplicar uma série de sanções, entre
as quais está prevista multa de até 2% do faturamento da empresa envolvida, com
limite de R$ 50 milhões, o bloqueio ou eliminação dos dados tratados de maneira
irregular e a suspensão ou proibição do banco de dados ou da atividade de
tratamento. O substitutivo também institui o Conselho Nacional de Proteção de
Dados, formado por 23 representantes do Poder Público, da sociedade civil, de
empresas e de instituições científicas e tecnológicas. O colegiado tem como
atribuições propor diretrizes estratégicas sobre o tema e auxiliar a autoridade
nacional.
Apoios
O PLC tem apoio de diversas entidades, como a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), a Associação
Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) e a
Coalizão Direitos na Rede, que reúne entidades de defesa de direitos dos
usuários de internet. Mas encontrava resistência em organizações do ramo
financeiro, como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Confederação
Nacional de Seguradoras.
“Este projeto é fundamental para o desenvolvimento
da economia digital no Brasil porque ele alcança equilíbrio entre a proteção do
direito do cidadão em um arcabouço que ajude as empresas a inovarem”, avaliou a
diretora jurídica da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da
Informação e Comunicação (Brasscom).
“Essa discussão contou com dezenas de entidades da
sociedade civil mas também com inúmeras entidades do setor empresarial, que
entenderam que a proteção de dados é princípio que deve ser garantido na
legislação brasileira”, comentou Marcos Urupá, do Coletivo
Intervozes, entidade integrante da Coalizão Direitos na Rede, que reúne
organizações de defesa de direitos dos usuários.
*Texto ampliado às 17h55
Fonte: Agência Brasil
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