O nome do presidente Jair Bolsonaro surgiu
nas investigações sobre a morte de Marielle Franco.
De acordo com o Jornal Nacional, da TV Globo, o porteiro do condomínio de
luxo do presidente no Rio de Janeiro afirmou, em depoimento à polícia, que um
dos principais acusados de matar a vereadora do PSOL, o ex-PM Elcio Queiroz,
buscou a casa de Bolsonaro no próprio dia do crime, em 14 de março de 2018.
Queiroz solicitou a entrada no condomínio, foi autorizado a entrar por alguém
na casa do então deputado federal que teria se identificado como "Seu
Jair", mas acabou se dirigindo à propriedade de Ronnie Lessa, no mesmo
local. Queiroz
e Lessa, presos acusados pelo assassinato desde março deste ano, saíram
momentos depois para cometer o crime, ainda segundo a polícia.
A reação de Bolsonaro foi quase imediata e
deu à divulgação um status ainda mais explosivo. Da Arábia Saudita, onde está
em visita oficial, o presidente apareceu no Facebook e, depois, em
entrevista à TV Record, para negar qualquer envolvimento no caso, atacar a
Globo, a quem acusou de querer desestabilizar seu Governo, e também seu
ex-aliado, Wilson Witzel, governador e chefe da Polícia do Rio, a quem atribuiu
o vazamento da informação a respeito do inquérito. Exaltado, e pedindo
desculpas à audiência por seu estado, disse querer prestar depoimento ao
delegado do caso assim que voltar ao Brasil, na quinta-feira. Disse ainda que
não pedirá sigilo a respeito do que falar. "O porteiro é vítima de uma
farsa", disse. No Facebook, o presidente encerrou suas declarações
reclamando do trabalho das autoridades para elucidar
o atentado a faca que sofreu, em setembro de 2018.
A citação do presidente nas investigações
sobre a execução de Marielle, que
avançam lentamente e não apontaram mandante, tem ingredientes para se
tornar uma crise também política, além de um teste para a independência das
instituições, desde as próprias polícias, incluindo a Federal, até o procurador-geral
da República, Augusto Aras, que acaba de ser nomeado pelo presidente. A
reportagem do programa da TV Globo afirma que os promotores do Rio de Janeiro,
após a citação do nome do presidente, procuraram diretamente o presidente do Supremo,
Antonio Dias Toffoli. Como trata-se do mandatário, que tem foro privilegiado,
caberá a Toffoli definir se o caso irá ou não para a alçada da Corte.
O Jornal Nacional deu ainda alguns
detalhes sobre o depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro. Apontou que
ele tem ao menos uma aparente contradição: o funcionário diz ter falado, via
interfone, com alguém que se identificou como "seu Jair", que não só
autorizou a entrada, como disse saber a que casa Elcio Queiroz se dirigia
naquela noite —a de Lessa, acusado de ter apertado o gatilho contra a
vereadora. No entanto, segundo registro da Câmara dos Deputados e um vídeo
gravado pelo próprio Bolsonaro na data, o então deputado federal estava em
Brasília no dia do crime que chocou o Brasil. O telejornal disse ainda que a
polícia ainda busca as gravações da guarita de segurança para corroborar a
versão do porteiro e informou que, além do próprio presidente, o seu filho, o
vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), também possui uma casa no complexo de luxo.
Outras citações ao clã Bolsonaro e Brazão
Não
é a primeira vez que a família presidencial se vê envolvida no emaranhado ligado
à investigação do assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes.
Já era sabido que Ronnie Lessa, hoje preso penitenciária federal de Mossoró, no
Rio Grande do Norte, morava no mesmo condomínio de luxo dos Bolsonaro. Além
disso, havia registro de uma imagem do mandatário no Facebook ao lado de Élcio
Queiroz. Também apareceu como envolvido na execução o Escritório do Crime, um
sofisticado grupo de extermínio que faz serviços para milicianos e
contraventores. Um dos integrantes do Escritório, o ex-PM Adriano Nóbrega,
foragido desde janeiro por conta das investigações, já foi homenageado por Flávio Bolsonaro quando estava
preso por homicídio, em 2004, e possuía duas parentes
lotadas no gabinete do então deputado estadual até o segundo semestre
de 2018.
Antes das revelações do Jornal Nacional,
o último grande desdobramento envolvendo o caso havia sido o surgimento do nome
de Domingos
Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e
ex-líder do PMDB na Assembleia Legislativa do Estado. Em setembro, a então
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de
Justiça (STJ) que as investigações fossem federalizadas e um novo inquérito
fosse aberto para identificar os mandantes do crime. Dodge denunciou
formalmente Brazão por obstrução da Justiça, falsidade ideológica e
favorecimento pessoal por tentar atrapalhar o trabalho da polícia para elucidar
o assassinato. A denúncia de Dodge se baseou nas conclusões da Polícia Federal,
que apontaram o conselheiro como o "principal suspeito de ser o autor
intelectual dos assassinatos" de Marielle e de seu motorista. Brazão nega
as acusações.
A citação do presidente Bolsonaro deve trazer
ainda mais holofotes internacionais para a trama do assassinato da vereadora,
que cruzou um limite inédito na história recente da violência política do
Brasil, com a execução de uma liderança ascendente não nos rincões do país, mas
no centro de sua segunda maior cidade, à época com a segurança controlada por
militares. Se o crime comoveu políticos de vários matizes até no exterior, não
arrancou do então candidato presidencial Bolsonaro, ou de qualquer de seus
filhos, nenhuma condenação à época.
Fonte: El País
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